Por que pais maltratam filhos?
Ao longo dos séculos, e até há bem poucos anos, as
crianças eram consideradas seres de menor importância. Era de aceitação comum
na sociedade o abandono, a negligência, o sacrifício e a violência contra
crianças, chegando ao filicídio, declarado ou velado, que levava as taxas de
mortalidade infantil, na França do século XVIII, a níveis absurdos,
inacreditáveis, de sempre mais de 25% das crianças nascidas vivas. Hoje, em
muitos países, para cada mil crianças nascidas vivas, morrem menos de dez,
antes de um ano de vida. Segundo Elisabeth Badinter, em Um amor conquistado - O
mito do amor materno, na França daquela época raramente uma criança era
amamentada ao seio da mãe. Morriam como moscas. Cerca de 2/3 delas morriam
junto às amas de leite - miseráveis e mercenárias - contratadas pela família e
nas casas das quais ficavam, em média, quatro anos, quando sobreviviam. Nos
asilos de Paris, mais de 84% das crianças abandonadas morriam antes de
completarem um ano de vida. Ainda no século XIX era comum a roda dos expostos
nos asilos - no excelente Abrigo Romão Duarte, no Rio, ainda existe uma peça
dessas em exposição -, o abandono dos filhos era uma rotina aceita. Mas foi a
partir do final desse século que a criança, até então estorvo inútil - porque
nada produzia -, passou a ser valorizada, sob a óptica de que deveria
sobreviver para ser tornar adulto produtivo. A criança passou a ser protegida
por interesses, antes de tudo econômicos e políticos, a partir da Revolução
Industrial especialmente em fins do século XVIII. As sociedades protetoras da infância
surgiram na Europa entre 1865 e 1870, e eram mais recentes, e menos
representativas, do que a Sociedade Protetora dos Animais. A palavra pediatria
só surgiu em 1872. De acordo com Elisabeth Badinter, os médicos, então, não
tratavam as crianças. Achavam que isso era tarefa das mulheres - ou seja, das
mães e amas, porque não existiam médicas. Em resumo, apesar de ainda não
respeitada na sua individualidade, a criança começou a ser de alguma forma
protegida há pouco mais de cem anos. Mas foi só no início do século XX, com
Freud, que a criança passou a ser entendida no seu desenvolvimento psicológico.
O castigo físico como método pedagógico, porém, secularmente pregado até por
filósofos da grandeza de um Santo Agostinho, continuou até nossos dias. Ainda de
acordo com Elisabeth Badinter, Santo Agostinho justifica todas as ameaças, as
varas, as palmatórias. "Como retificamos a árvore nova com uma estaca que
opõe sua força à força contrária da planta, a correção e a bondade humanas são
apenas o resultado de uma oposição de forças, isto é, de uma violência". O
pensamento agostiniano reinou por muito tempo na prática pedagógica e,
constantemente retomado até o fim do século XVII, manteve, não importa o que se
diga, uma atmosfera de rigidez nas famílias e nas novas escolas. Portanto, por
que pais maltratam filhos? Eu diria: antes de tudo por hábito - culturalmente
aceito há séculos. É comum pais afirmarem que apanharam de seus pais e são
felizes. A eles dizemos que as coisas mudaram e que, hoje, devemos buscar outras
formas de educar os filhos. Educá-los e estabelecer limites, com segurança, com
autoridade, mas sem autoritarismo, com firmeza, mas com carinho e afeto. Nunca
com castigo físico. A violência física contra crianças é sempre uma covardia. O
maltrato, em qualquer forma, é sempre um abuso do poder do mais forte contra o
mais fraco. Afinal, a criança é frágil, em desenvolvimento, e totalmente
dependente física e afetivamente dos seus pais. Nesse sentido, acredito que a
palmada se insira como uma forma de reconhecimento da insegurança, da fraqueza,
da incompetência, dos pais para educar seus filhos, necessitando usar a força
física. Não podemos esquecer também do modelo de violência que transmitimos e
perpetuamos nas relações em família, quando estabelecemos limites com
violência. Os filhos aprendem a solução de conflitos pela força - e tenderão a
reproduzir esse modelo não só junto às suas famílias, mas em todas as relações
interpessoais, na rua ou no trabalho. Inúmeros fatores ajudam a precipitar a
violência de pais contra filhos: o alcoolismo e o uso de outras drogas, a
miséria, o desemprego, a baixa auto-estima, problemas psicológicos e
psiquiátricos. Nesse entendimento, achamos que pais que maltratam seus filhos
devem ser orientados sempre e tratados e punidos, se necessário.
...
É frequente entre todos nós. Creio que todos, de
alguma forma, em algum dia, maltratamos psicologicamente nossos filhos. A frase
que usamos para divulgação no rádio resume bem: "não deixa marca aparente,
mas marca por toda a vida." O que melhor define os maus-tratos
psicológicos são as humilhações, discriminações, ofensas feitas pelos próprios
pais. Um exemplo que vi, algumas vezes, inclusive no meu consultório, é de
casais que têm três filhos. A mãe se identifica com um, o pai com outro, e um
sobra. É a síndrome do patinho feio. Coitada dessa criança, a discriminada, a
menos protegida e cuidada dentro de uma família.
LEIA NA ÍNTEGRA EM:
http://www.observatoriodainfancia.com.br/rubrique.php3?id_rubrique=77
Nenhum comentário:
Postar um comentário